O futuro da contabilidade pertence ao profissional que se reinventar
É necessário também nos reinventarmos neste mercado em constante evolução se quisermos acompanhar o novo mundo 4.0
Marcia Ruiz Alcazar*
O desenvolvimento de novas tecnologias que passam a fazer parte do nosso dia a dia costuma assustar diversos profissionais. Além da necessidade de adaptação, é comum surgir o receio de que o trabalho executado passará a ser realizado por uma máquina. Na área contábil, a apreensão não é diferente, ainda mais em meio à transformação do mundo 4.0 sobre o qual paira a ameaça de substituição dos trabalhadores pela inteligência artificial.
É fato que as máquinas foram incorporadas ao nosso trabalho, mas isso de modo algum significou o fim da nossa profissão. Pelo contrário, ao nos desvencilharmos de alguns processos mais mecânicos, ganhamos tempo para realizarmos outros de cunho intelectual. Deixamos para as máquinas o que pode ser automatizado e nos debruçamos sobre o que precisa de interpretação. O resultado disso é que nossa profissão não acabou. Ela evoluiu.
Se o desassossego persiste devido às mudanças que continuam em curso, pelas vivências em cursos de gestão e inovação contábil realizados na Universidade de Stanford (Vale do Silício), no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, futuramente, no Imperial College, em Londres, afirmo, sem receio algum, que nossa profissão não irá acabar. Ao invés disso, ela continuará avançando.
O modelo convencional de organização e processamento das informações será substituído. Vejam o que aconteceu com sistema financeiro, com os meios de pagamento etc. O serviço contábil também compõe a indústria de serviços financeiros. Temos hoje as cripto moedas, como bitcoins, ethereum, entre outras, e a revolucionária tecnologia blockchain que é o nosso velho conhecido livro de razão contábil.
A tecnologia vai colaborar muito com a atividade desenvolvida pelo contador. Imagine, por exemplo, que todos os contribuintes apresentarão dados estruturados, vinculados e validados. O tempo oneroso de higienização da informação que é dispendido no processo contábil será eliminado. Não será mais necessário classificar, conciliar, elaborar análises. A informação estará lapidada exigindo do profissional muito mais assertividade, visão crítica, questionamentos e raciocínio lógico. A ciência contábil poderá ser exercida sem desvios de foco e tempo e energia não serão mais desperdiçados com as diversas obrigações fiscais impostas pelo governo brasileiro.
Pela natureza de nosso trabalho, temos acesso a diversos dados dos nossos clientes. Sabendo que a moeda do futuro é a informação, precisamos nos dar conta disso e aproveitarmos as inúmeras oportunidades de prestarmos serviços únicos e personalizados para nossos clientes.
O Estado de São Paulo possui cerca de 20 mil organizações contábeis e muitos se questionam sobre o futuro desses empresários. Uma saída é desenvolver e oferecer aos clientes ações relacionadas à economia e consumo colaborativos. Plataformas de mineração de dados poderão indicar necessidades comuns e o empresário contábil poderá ser o grande mentor desse novo tempo para as micro e pequenas empresas que, segundo o Sebrae, representam 99% dos 6,4 milhões de estabelecimentos no país e precisam manter sua contabilidade terceirizada.
Nosso trabalho como contadores é relevante para o mundo dos negócios. Precisamos nos valorizar. Porém, para isso, é necessário também nos reinventarmos neste mercado em constante evolução se quisermos acompanhar o novo mundo 4.0. O processo de estruturação da informação tem cada vez menos valor. A moeda do futuro já é o dado estruturado.
A formação dos novos profissionais deve focar no estudo das normas contábeis e no desenvolvimento do raciocínio lógico e do senso crítico. Ao mesmo tempo, é preciso desmistificar o que é mineração e engenharia de dados, trabalhar com soluções inovadoras que substituem todo e qualquer processo manual, fomentar a economia colaborativa e desenvolver, além de networking, a viabilidade de coworking para incentivar a relevância da profissão ainda na universidade.
O governo brasileiro de alguma forma impulsionou isso e ao implementar no país o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que nos apresenta uma grande oportunidade. O olhar da responsabilidade subjetiva, delegado a nós, profissionais contábeis, com a implementação das normas internacionais (IFRS), jamais será substituído por um robô.
Embora a relevância do valor humano na tomada de decisões não perca seu valor, não podemos dizer o mesmo do profissional que ficar em sua zona de conforto. O domínio da ciência contábil não será suficiente para assegurar a permanência no mercado de trabalho se o profissional não entender que vivemos uma revolução e investir em conhecimentos na área de tecnologia.
Neste 22 de setembro, data em que comemoramos o Dia do Contador, quero parabenizar os quase 95 mil contadores no Estado de São Paulo e mais de 350 mil em todo o país que escolheram a ciência contábil para suas vidas. Que estas reflexões sobre o futuro da nossa profissão sejam estímulos para desenvolvermos todo o nosso potencial. Somos profissionais resilientes, não tememos as disrupturas.
Como bem escreveu o professor de Literatura Fernando Teixeira de Andrade:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.”
*Presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo – CRCSP